Hildebrando Diogo Valim Filho
No evangelho segundo o apóstolo João, no capítulo 4, nos versos de 5 a 30, encontramos um quadro maravilhoso, repleto de profunda inspiração, ensinamento e revelação divina. É impossível lê-lo sem que, de alguma forma, não sintamos o impacto das palavras por ele escritas.
Ali, encontramos o Senhor Jesus sozinho com uma mulher samaritana, iniciando um diálogo nada convencional para os costumes da época e fazendo revelações menos convencionais ainda: sobre si mesmo, sobre Deus, sobre o homem e sobre o relacionamento entre ambos.
Pano de Fundo: A Graça
Ao lermos este relato, não podemos deixar de perceber que ele se desenvolve sob o prisma da graça de Deus. Cada atitude, cada frase de Jesus evidencia a graça. Ela está presente na sua atitude de iniciar um diálogo particular com uma mulher pecadora e rejeitada, pedindo-lhe que o servisse (verso 7); está presente na revelação que ele faz de Sí mesmo como o dom de Deus (verso 10);como a água viva capaz de saciar a sede do ser humano (verso 14); como aquele que conhece todas as coisas pela sua oniciência (verso 18); como aquele que veio trazer salvação (verso 22) e revelar a paternidade (verso 23) e a natureza de Deus (verso 24); e está presente quanto ele, desvendando o propósito eterno do coração divino, revela a procura de Deus por verdadeiros adoradores (verso 23) e a maneira como a verdadeira adoração deve ser praticada (24).
Deve ser motivo de alegria e admiração vermos o Senhor Jesus fazendo tantas revelações a uma mulher considerada pecadora pela lei e rejeitada pela sociedade religiosa da época. E em todo o Seu diálogo Ele não dirige uma só palavra de censura ou de condenação a ela! É a graça vindo à pecadores miseráveis que nada merecem senão a condenação divina. E se não bastasse o ser perdoado e aceito em sua santa presença, ele ainda sussurra aos ouvidos pecadores coisas maravilhosas que o "olho jamais viu nem o ouvido jamais ouviu" (I Co 2:9).
Deus Toma a Iniciativa
Ao iniciar o diálogo, Jesus se apresenta como uma fonte a jorrar (verso 14). E como a água que sai da fonte e procura as partes mais baixas da terra para ali encher, Ele toma a iniciativa do relacionamento com a mulher pecadora pedindo-lhe: "Dá-me de beber". Ela não entende e então Ele lhe faz uma declaração maravilhosa: - "Se você conhecesse o Dom de Deus e se soubesse que é Ele quem te pede, você pediria e Ele te daria água viva". O Deus encarnado estava ali junto ao poço, ao lado da mulher necessitada, mas ela não sabia quem Ele era. Ela não podia vê-lo.
Esta cena é uma alegoria da história da humanidade e de nossa própria história pessoal. Deus é quem toma a iniciativa da nossa relação com Ele. Foi Ele quem se encarnou e veio até nos. Foi Ele quem veio buscar o que estava perdido (Lc 19:10). É Ele quem se aproxima do nosso coração e o toca. É Ele quem nos chama, nos regenera e nos dá a fé capaz de responder aos seus chamados. Todas as escrituras atestam para este fato. Ele estava no mundo, próximo á nós, mas não o reconhecemos (Jo 1:10). E como poderíamos? Nascemos em pecado e fomos concebidos nele (Sl 51:5). Sim, somos pecadores por natureza. E por causa do pecado vivemos na vaidade dos nossos próprios pensamentos, com nosso entendimento obscurecido, alheio à vida de Deus, na ignorância e na completa insensibilidade com respeito a Ele, por causa do coração endurecido (Ef 4:17 a 19).
Se conhecêssemos o Dom de Deus seríamos nós quem pediríamos: - "Senhor vem a mim!". "Dá-me de beber de Tua fonte de vida inesgotável!". Mas a nossa depravação, na qual nascemos, não nos permite vê-lo. Se conhecêssemos quem nos pede e quem bate à nossa porta, sairíamos ao seu encontro.Mas o pecado endureceu nosso coração e não nos permite percebe-lo, nem sequer deseja-lo. Por isso, em sua soberana graça, Deus toma a iniciativa em todas as Suas relações para conosco. Ele vem a nós e nos pede: - "Filho meu, dá-me o teu coração!"(Pv 23:26).
O Chamado e a Revelação de Deus são Pessoais
O Senhor Jesus prossegue se revelando á mulher como a água viva. Ela não entende, mas pede que Ele lhe dê dessa água para que não precise mais busca-la. Ele então toca na sua vida pessoal: - "Vai, chama teu marido e vem aqui".
Sua conversa agora deixa o caráter geral e passa ao pessoal. Se ela quisesse experimentar da água viva teria que confrontar seu coração diante de Jesus.
As verdades de Deus são maravilhosas, mas se elas não passarem de palavras externas, gerais, não tocando o nosso coração e expondo a nossa vida diante Dele, serão de pouco ou até mesmo nenhum valor para nós. É certo que a verdade se apresenta de forma genérica, mas ela só se torna viva quando recebida de forma pessoal. Martinho Lutero disse que "a religião verdadeira é constituída de pronomes pessoais". Deus amou o mundo, mas isso só tem significado para mim quanto creio que Ele "me" amou. Cristo morreu pelos nossos pecados, mas eu só descanso minha consciência culpada quando creio que Ele morreu pelos "meus" pecados.
Jesus está usando a chave para o coração da mulher. Ele teria de começar confrontando sua vida de pecado para mostrar sua necessidade desesperada de um salvador. Vemos por toda a Bíblia e pela experiência de todos nós, que é assim que Ele começa a revelação pessoal de Si mesmo ao coração de alguém. Não que o problema básico da mulher seja sua vida de prostituição. Para os fariseus religiosos da época era, e mesmo hoje, a tendência da religião é julgar apenas os pecados exteriores. Mas não é assim com o nosso Senhor. Ele não estava dando a entender que se a mulher deixasse sua vida de prostituição tudo estaria bem. Mil vezes não! Não somos pecadores porque pecamos, e sim pecamos porque somos pecadores! É o coração que deve ser mudado e não apenas o exterior, porque é dele que procede as fontes da vida (Pv 4:23). É o coração que é enganoso e desesperadamente corrupto (Jr 17:9). E é dele que procedem todos os pecados exteriores e interiores dos seres humanos (Mt 15:9 e Mc 7:21).
Entretanto, devemos ser claros: somos confrontados pelo que fazemos e dizemos. O que fazemos revela o que somos. Nossos atos exteriores revelam o nosso interior. O que fazemos exteriormente expõe o estado do nosso coração. E normalmente Deus toca em algum pecado particular, aquele que mais amamos ou aquele que mais evidencia o nosso caráter. É assim que Jesus começa a desvendar o nosso interior e a revelar-se a Si mesmo. Ele deseja prosseguir nessa revelação. Ele tem muito para nos mostrar! Seu propósito e missão é fazer-nos adoradores do Pai. Mas, o prosseguimento do Seu trabalho em nós vai depender da nossa resposta à Sua revelação inicial.
A Nossa Resposta
- "Não tenho marido", responde a mulher. Jesus, então, replicou-lhe: - "Bem disseste...isto disseste com verdade" (versos 17 e 18). Será que ela foi verdadeira em sua resposta? Realmente ela não tinha um marido só seu, mas compartilhava o de outra mulher. Digamos que ela não mentiu, mas omitiu detalhes de sua vida íntima. Não foi, portanto uma resposta completa, mas foi sincera, por isso Jesus lhe diz: - "disseste com verdade".
Não é esse também um retrato da nossa resposta a Deus? Ouvimos a Sua voz e timidamente a respondemos. Assim como Abraão – que é o símbolo dos chamados à vida de fé - saímos da nossa terra, mas levamos alguns da nossa parentela. É uma resposta em obediência ao chamado de Deus, mas ainda não é uma resposta completa. A resposta integral, do coração, ao chamado Deus não se obtém da noite para o dia. Ela é resultado do profundo trabalho de Deus na alma do homem. Trabalho que dura toda uma vida. Mas Deus, em Sua misericórdia, aceita nossa resposta e prossegue conosco.
A resposta da mulher foi a porta de entrada para uma revelação mais profunda de Jesus sobre Si mesmo. Ele manifesta à mulher samaritana a Sua onisciência, dizendo tudo o que ela havia feito (verso 29). Ele mostrou quão profundamente a conhecia sem que ela precisasse dizer uma só palavra. Toda a sua vida estava exposta diante Dele!
Não foi essa também a experiência a Davi? No Salmo 139 ele escreve "Senhor Tu me sondas e me conheces...penetras os meus pensamentos...conheces todos os meus caminhos...ter consciência disso é maravilhoso demais para mim". Aquele que disse que "nasceu na iniqüidade e em pecado foi concebido" (Sl 51:5) agora diz "Que preciosos para mim, Senhor, são os teus pensamentos!" (Sl 139:17). Como pode um Deus Santo e Justo ter pensamentos preciosos a respeito de um iníquo e pecador? Estas duas frases não podem ser conciliadas senão em Cristo Jesus. Tudo o que somos, sentimos, pensamos e fazemos, Ele sabe muito bem, e não há nada que possamos fazer para ocultar-nos da Sua presença.Ele nos conhece muito bem, mas a pesar disso, nos ama e quer que sejamos Seus verdadeiros adoradores!
A resposta da mulher determinou a continuidade da revelação de Jesus a Ela. Ele confrontou-a pedindo-lhe algo, e ela reagiu com verdade e honestidade, não se esquivou, nem procurou encobrir seus pecados. Que atitude diferente da dos fariseus que se escondiam atrás de capas religiosas! E quando Jesus os confrontava revelando seus corações, eles fugiam da sua presença odiando-o ainda mais.
O Senhor Jesus não pode se revelar a um coração que não pratica a verdade (Jo 3:21). Ele se aproxima dos nossos corações pecadores, chama-nos, atraí-nos, faz-nos perceber sua presença e confronta-nos através da Sua palavra. E a resposta que dermos vai determinar se continuaremos a andar em Sua presença, conhecendo-o mais intimamente ou não.
Davi entendeu muito bem esse princípio quando na sua oração de arrependimento, após enxergar a sua depravação, declarou: "Eis que te comprazes na verdade no íntimo" (Sl 51:6). O que nos impede de prosseguir com Deus não é o fato de sermos pecadores e nem os pecados temos cometido, mas a nossa desobediência manifestada na falta de prontidão em arrepender-nos, confessarmos e abandonarmos os nossos pecados! Se não atendermos prontamente ao que Ele nos pede pela Sua palavra, reagindo com honestidade e verdade, abrindo nossas vidas aos Seus olhos perscrutadores, à Sua palavra que penetrante em nós como espada afiada (Hb 4:12), Ele não poderá prosseguir conosco desvendando-nos seu perdão e nos dando de sua paz. Sua presença é luz e revela todo o nosso interior (I Jo 1:5 a 7). Nada podemos fazer senão concordar com "Aquele que sabe todas as coisas" (Jo 21:17) e praticando a verdade, confessar-lhe nossos pecadosem sincero arrependimento (I Jo 1:8 a 10).
O Desejo de Deus
Prosseguindo em Sua revelação à mulher samaritana e, após um diálogo sobre o lugar da adoração, Jesus diz que "o Pai procura verdadeiros adoradores" (verso 23). Quando consideramos essa declaração com profundidade não podemos deixar de perceber que ela revela, por trás de suas palavras, o desejo de Deus por adoradores. O desejo do coração divino é possuir uma raça, uma nação, de adoradores (I Pe 2:5). O apóstolo Paulo chama esse desejo de "beneplácito" ou "bom prazer" (Ef 1:9). Aquele que age conforme o conselho da sua vontade (Ef 1:11), não procuraria adoradores se não os desejasse de fato, se não tivesse determinado em Si mesmo possuí-los.
As escrituras, em toda a sua extensão, mostram com clareza esse desejo de Deus por um povo adorador. As Escrituras são, em sua essência, uma história de amor - do amor eterno de Deus por Seu povo escolhido (Jr 31:3 e 31:20; Is 43:4)! Ele deseja ser o Deus exclusivo desse povo (Jr 24:7 e 31:33 e Is 43:10). Ele deseja ser adorado o único Deus verdadeiro. Não é esse o propósito da redenção?
O Propósito da Redenção
Lemos em Ef 1:3-14, na bela doxologia do apóstolo Paulo - que é uma das mais belas passagens das Escrituras - que tudo o que Deus fez, originando do conselho da Sua vontade, conforme o Seu bom prazer, teve a finalidade de que "fossemos para o louvor da Sua Glória".
O que o apóstolo quis dizer com a expressão: "Sua Glória"? A Glória de Deus é a Sua expressão, Sua manifestação. É o ser de Deus sendo manifesto. Quando Deus se revela o que é vemos é a Sua Glória. A Glória Ela é a própria essência de Deus sendo manifestada em Seus atos.
Nesta passagem de Efésios vemos que Deus manifesta a Sua Glória na eleição (nos escolheu Nele, verso 4), na predestinação e adoção (verso 5), ao conceder-nos gratuitamente Sua graça em Cristo (verso 6), na redenção, no selo do Espírito (verso 13) e manifestará futuramente a Sua Glória no resgate da Sua propriedade (verso 14). Todos estes, são atos soberanos de Deus, expressões de Si mesmo, manifestações da Sua Glória, transformando-nos "em louvor da Sua Glória", a manifestação da Sua multiforme Sabedoria.
A Procura de Deus
Jesus diz à mulher que "...são estes que o Pai PROCURA para Seus adoradores". O que Ele quis dizer com a palavra procura? Essa palavra normalmente é empregada para designar a busca diligente de alguém para encontrar algo que está em algum lugar, mas que não se sabe onde. Será que podemos atribuir este sentido a declaração de Jesus? Será que Deus sabe que existem verdadeiros adoradores por aí, e ele, então, parte diligentemente para encontrá-los? À luz do que as Escrituras nos ensinam sobre a natureza de Deus, a natureza do homem, e considerando a experiência dos filhos de Deus, será que podemos afirmar que Deus está, por todas as gerações e por toda parte, procurando encontrar verdadeiros adoradores, que estariam prontos e aptos para oferecerem adoração em espírito em verdade? Certamente que não!
O homem por natureza é um inimigo de Deus e como tal não procura os interesses divinos. As marcas da divindade deixadas na natureza para guiar o homem até Deus foram totalmente ignoradas (Ro 1:19 a 21) e até mesmo desprezadas pelo homem (Ro 1:28). Não! Deus não precisou deste tipo de procura para concluir que: "Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer" (Ro 3:10 a 12). Podemos facilmente concluir então, que é exatamente isso o que somos para Deus - inúteis! E como poderemos servir a Deus, adorando-o, sendo inúteis? Como Deus procura, então, os seus verdadeiros adoradores?
Há um outro sentido da palavra "procurar" que é bastante utilizado entre cientistas e pesquisadores. Às vezes ouvimos uma notícia de que alguns cientistas estão procurando a cura para determinada doença. De que maneira eles procuram? Certamente que não saem por aí a procura de algo já pronto. Não! Eles se trancam em seus laboratórios e trabalham diligentemente por meses e até anos a finco, criando situações, realizando testes, até que conseguem isolar o vírus e identificar uma substância capaz de exterminá-lo. Este é o sentido, dentro do contexto das Escrituras, da palavra empregada por Jesus para designar a procura de Deus por adoradores! Deus não procura adoradores formados e prontos como se pudesse encontrar algum. Ele próprio desenvolve-os. Deus toma homens pecadores e inúteis e os transforma em vasos para expressar a Sua Glória! Ele toma homens idólatras, inimigos, e os transforma em Seus verdadeiros adoradores!
O dicionário Aurélio também dá as seguintes definições para a palavra procurar: empregar todos os meios para conseguir; tentar atrair ou adquirir. São expressões que nos ajudam a entender o trabalhar de Deus no processo de procurar (desenvolver) Seus adoradores.
O Processo
A figura do cientista em seu laboratório é apenas elucidativa. Deus não precisa fazer experiências. Ele é onisciente (sabe todas as coisas), onipresente (esta em todo o lugar) e onipotente (seu poder é imensurável). Tudo foi planejado e projetado antes que houvesse mundo. Mas aqui, no tempo, Ele trabalha por um processo e gradativamente vai se revelando e tornando real, em seus adoradores, o que já foi realizado plenamente e eternamente em Cristo Jesus.
Este processo nos é descrito em Ro 8:28 a 37. No verso 28 lemos que: "Todas as coisas cooperam (ou Deus faz com que todas as coisas cooperem) para o bem daqueles que amam a Deus". Vemos aí o laboratório divino. Deus operando juntamente através de todas as circunstâncias para desenvolver (amadurecer) seus filhos até torná-los verdadeiros adoradores. Prossegundo no texto temos: "...daqueles que foram chamados segundo o Seu propósito". Que propósito é esse? "Sermos para o louvor da Sua Glória" (Ef 1: 12) ou "sermos conformados a imagem (estatura) de Seu Filho (Jesus Cristo)" (Rm 8:29). O que significa sermos verdadeiros adoradores, maduros e plenamente formados.
Em seguida, nos versos 29 e 30 de Romanos 8, vemos o que Deus fez paratornar-nos aptos para que Ele pudesse trabalhar em nós o coração de verdadeiro adorador. Ele nos predestinou, chamou, justificou e glorificou. O apóstolo Paulo numa expressão de profunda admiração e adoração exclama: "que diremos, pois, à vista destas coisas?". Deus é por nós! É Ele quem faz! É Cristo quem morreu pagando o preço do nosso resgate, é Deus quem nos busca, é Ele quem nos chama, é Ele quem nos justifica, é Ele quem nos dá um novo coração, é Ele quem nos dá o Seu Espírito, gerando em nós a vida de Cristo, a vida divina, para por ela desenvolvermos, em comunhão com Ele, o coração de adorador.
No laboratório divino não há falta de recursos. Deus não é mesquinho como quis insinuar o servo mau da parábola dos talentos (Mt 25:24,25). Ele não poupa recursos, deu-nos o Seu próprio Filho, e nos dá graciosamente Nele (em Cristo) todas as coisas necessárias para a obtenção do Seu propósito (Rm 8:32). Se não estamos produzindo resultados, não podemos culpá-Lo, mas humilhar-nos diante da Sua poderosa mão moldadora (I Pe 5:6) e limpar o nosso coração dividido (Tg 4:8), porque "todas as coisas que conduzem a vida e à piedade (semelhança com Deus) nos têm sido doadas pelo Seu divino poder" (II Pe 1:3).
O Lugar e a Forma da Adoração: Em Espírito e Em Verdade
Jesus chega ao clímax de Sua revelação à mulher. Ele diz: "- A hora vem, e, na verdade, já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão ao Pai em espírito e em verdade" (verso 23).
A adoração sempre teve um lugar e uma forma de ser oferecida. Os patriarcas do Velho Testamento erigiam altares sobre os quais sacrificavam e queimavam animais como ofertas. Com o tabernáculo no deserto, figura da verdadeira adoração, ela passou a ser praticada em lugar fixo, no altar de sacrifícios do pátio exterior onde eram oferecidas cinco tipos de ofertas que apontavam para Cristo. Posteriormente veio o templo de Salomão, o exílio e a destruição do templo. O fato é que, na mente do judeu, sempre houve um lugar e uma forma de se prestar culto a Jeová.
Jesus revela à mulher uma nova ordem. Com a expressão: "A hora vem" – Ele queria dizer que tudo o que estava estabelecido era apenas sombra e figura do verdadeiro que haveria de vir. Porque Deus não habita em santuários feitos por mãos humanas, não pode ser servido por elas (At 17:24 e 25), e não se interessa por sacrifício de animais (Sl 51:16). E com a expressão "já chegou", Jesus estava dizendo que naquele momento, Nele mesmo, o Pai estava estabelecendo a nova ordem. Desde a fundação do mundo os olhos de Deus estavam postos neste momento. Agora, em Cristo, estava sendo cumprido todo o propósito divino, todo o Seu desejo.
Na verdade nunca houve outra forma de adoração que pudesse ser aceita por Deus. No velho testamento, toda verdadeira adoração sempre apontava para Cristo; sempre tinha algum elemento da Graça presente. De alguma forma o adorador vislumbrava no futuro, através das promessas, o Messias, o Filho de Deus.
Mas agora, a hora chegou! O lugar de se adorar a Deus é o espírito humano renascido e vivificado pelo Espírito Divino. O homem agora é o templo de Deus, o templo do Espírito Santo (I Co 6:19), o templo da Trindade Santa e bendita (Rm 8:9 e 11). A natureza de Deus é espírito e qualquer relacionamento pessoal com Ele deve ser estabelecido nesta base. Somente seres semelhantes podem ter comunhão. O recesso interior do coração - o espírito - é o lugar onde o homem pode estabelecer contato com Deus e adorá-lo. Aquele que era alma vivente teve seu espírito vivificado, e deve, agora, exercitá-lo - vivendo e agindo no Espírito. O capítulo 8 da carta de Paulo aos Romanos é repleto de ensinamento e exortação de como fazê-lo. Suas recomendações são: Andarmos no Espírito (8:4); inclinarmos para o Espírito (termos a mente voltada para o que o Espírito deseja) (8:5); pelo Espírito fazermos morrer os atos do corpo (8:13); sermos guiados pelo Espírito (8:14); sofrermos com Cristo (8:17); gemermos em nosso íntimo aguardando a redenção do nosso corpo, que é o templo do Espírito (8:23); acolhermos a assistência do Espírito em nossa vida de oração (8:26); aceitarmos a providência de Deus no arranjo das circunstâncias de nossas vidas (8:28) e nos voltarmos inteiramente para as Escrituras até sermos convencidos (8:38) pelo Espírito de Deus das Suas maravilhosas verdades.
A nova forma de adoração é em verdade (realidade). Cristo é a verdade (Jo 14:6). Todas as ofertas do Velho Testamento prefiguravam Cristo sendo oferecido a Deus. A verdadeira adoração é "por meio de Jesus oferecermos a Deus sacrifícios de louvor - que é fruto de lábios que confessam o Seu nome" (Hb 13:15). Não é um ato isolado que se pratica em um lugar pré-estabelecido, mas um modo de vida! "E tudo o que fizerdes, seja em palavra seja em ação, fazei em nome do Senhor Jesus, dando por Ele graças a Deus Pai" (Cl 3:17). "Qualquer coisa que fizerdes, fazei tudo para a glória de Deus" (I Co 10:31). A adoração é fruto do conhecimento de Deus. Só podemos adorar aquilo que conhecemos. Por toda a Escritura, aqueles que tiveram um vislumbre da Pessoa de Deus e do Senhor Jesus Cristo, caíram prostrados em adoração. Somente aqueles que têm visto a Deus na face de Cristo podem, de fato, adorá-Lo. E nós podemos vê-Lo nas Escrituras através da iluminação do Espírito Santo, se em nós ecoar o clamor do coração do poeta do passado, H.M.W., expresso nas palavras do maravilhoso hino:
"Enquanto, ó Salvador, Teu Livro ler,
Meus olhos vem abrir, Te quero ver;
Da mera letra além, a Ti, Senhor,
Eu buscarei, Jesus, meu Redentor!".
O verdadeiro adorador é aquele que fez do conhecimento de Deus e de sua adoração a Ele a ocupação central de sua vida, e da qual depende, todas as outras ocupações. Ele trabalha juntamente com Deus, para fazer do seu coração um altar exclusivo para adorá-Lo em espírito e em realidade.
Oh! Que lancemos mão de todos os recursos abundantes da graça de Deus para sermos Seus verdadeiros adoradores!